Antes do post de hoje, preciso falar de uma coisa que sempre achei curiosa: os nomes dos atores do elenco de apoio das novelas. Sim, aqueles que fazem o cozinheiro do protagonista, o segurança da empresa, aqueles personagens que nem nome têm as vezes – mas seus atores eram creditados no final dos capítulos. Hoje, nem sempre isso acontece, mas nas novelas das antigas. Veja só, em duas já reprisadas no Viva:
Mas aí você me pergunta: o que esses nomes têm a ver com as Ruas Estranhas? Tudo, oras: ou você acha que a Prefeitura não adora pegar esses nomes obscuros para rechear o nosso famigerado Banco de Nomes? Bem, não exatamente das novelas mas de um mundo bem maior: o cinema! Tema, aliás, que estava ainda na primeira leva do Banco, em 1978.
Essa é a hora em que os culturetes leitores da finada Bravo e frequentadores do Reserva e do Espaço Unibanco Itaú da Augusta vão fazer aquela carinha de “hum, esse eu conheço, tá?”. Mas mesmo assim, garanto que ele viu o IMDB escondido pra dizer isso, ou ainda essa lista preparada pelo Arquivo Histórico de São Paulo destrinchando as ruas cinematográficas paulistanas. E na listinha há espaço tanto para artistas quanto para os próprios filmes. Veja só:
Um filmaço de 1929 dirigido por Dimitri Korsanoff, expoente do cinema experimental francês. São 12 minutos de uma assustadora sucessão de uma mulher olhando para a câmera e queimando papeis. Não assista o filme à noite.
É Der Fallende Stern, um importante filme alemão de 1950. Na história parece que tem um “véio do saco” no decorrer da trama, de acordo com essa cena.
Coloquei a rua da Mabel Normand, atriz do cinema mudo que foi tema de um dos primeiros posts deste blog, porque sintetiza boa parte das ruas cinematográficas. Muitas ficam quase sempre nos extremos da cidade, homenageiam filmes ou pessoas dos mais distantes primórdios do cinema e têm o nome aportuguesado, como:
Paulo Douglas que na verdade era Paul Douglas Fleischer, um ator americano bem característico dos anos 40 e 50 (morto em 1959, aliás). Pela biografia, foi um dos primeiros a ser aquele que você via como coadjuvante em todos os filmes e nunca soube o nome.
Já fico imaginando o seu Luigi Maggi, se estivesse vivo, do alto dos seus 136 anos (era de 1867) gesticulando horrores xingando a Prefeitura. Luigi foi um dos primeiros cineastas italianos, num tempo em que ninguém sabia muito como o cinema funcionava, e ia só no olhômetro. Nero, ou a queda de Roma foi um de seus filmes mais importantes, em 1909(!). Incrível como se consegue achar um filme de mais de 100 anos para assistir e certas emissoras de TV não guardam nem os programas de 10 anos atrás…
Como você não conhece Lua Brilhante? E Terang Boelan? Poxa, como você viveu todo esse tempo sem conhecer o maior sucesso cinematográfico da INDONÉSIA até hoje? Produzido com vários artistas da vizinha Índia, em 1937, dizem que Terang Boelan nada mais era que um remake não-autorizado à moda “pré-Bollywood” do filme A Princesa da Selva, produzido nos EUA no ano anterior.
Sabe aqueles atores que só fazem papel de bandido? Era o caso do cubano José Maria Lado, de extensa carreira na Espanha, com destaque para Se ha perdido un cadáver (1942), Hoy no pasamos lista (1948) – seria um filme sobre professores chatos de faculdade?, e La Señora de Fátima (1951), onde viveu o protagonista Antonio Abóbora.
Aqui a Prefeitura fez uma salada ao homenagear o diretor de fotografia austríaco Heinrich Gartner, que trabalhou em filmes como Marcelino pão e vinho. É que na época da Segunda Guerra, nomes germânicos não eram muito bem vistos e aí Heinrich passou a ser o espanhol Enrique Guerner, nome que acabou eternizado nessa quebrada acima.
Se você googlar Henrique Abadié só vai achar referências a essa rua, pois o cidadão se chamava Harry D’Abbadie D’Arrast. Se você não sabe quem ele era, pelo menos já deve ter visto algo que ele fez. Harry era o principal assistente de direção de Charles Chaplin, tendo feito de tudo um pouco nos primeiros filmes do ~Carlitos~. Sua história de vida é interessante também: segundo o iMDB, o franco-argentino Abadié estava servindo na 1ª Guerra Mundial e tomou um tiro. Enquanto se recuperava no hospital de campanha, foi convidado a trabalhar no cinema por um diretor amigo de Chaplin. Mas logo nos anos 30, Abadié desencanou de filmar e resolveu torrar a grana que ganhou nas roletas de Mônaco, onde passou os 40 e poucos anos seguintes – ele morreu só em 1970.
Diz a Prefeitura que Haroldo Fraler foi “ator e humorista norte-americano, que participou de filmes como Luzes da Ribalta e Dama por um dia“. Mas abra lá os links. Em nenhuma das listas completas de elenco consta o nome de algum Haroldo Fraler, Harold Fraler, Haroldo Fárley, ou qualquer um. Haroldo Fraler não existe. Simples assim. Pode procurar. Você acha o obituário de um jornalista chamado Harold Fraley, o ator Farley Granger, que fez Festim Diabólico. Caso procure “Haroldo Fraler” entre aspas, só aparecem menções à rua acima e, no máximo, a um suposto jogador de basquete americano dos anos 50, num site de colecionadores de figurinhas. Enfim, sabe por que? Porque HAROLDO FRALER NÃO EXISTE.
Agora… quem era famoso mesmo não merece nem ter o nome grafado direito, não é, Prefeitura?
Pelo amor, né? Difícil ter quem não conheça a voluptuosa Ava GaRdner, que era conhecida como A mulher mais linda do mundo – e que teve alguns dos homens mais cobiçados do seu tempo aos seus pés, como Frank Sinatra e o bilionário Howard Hughes. E o erro na placa é oficial, de acordo com o decreto que a nomeou, em 1992 (dois anos depois da morte de Ava). O mais curioso é que a salada cinematográfica a fez virar uma travessa de uma rua com uma câmera na cabeça e uma ideia na mão (ou seria o contrário? rsrsrsrs)
Curioso, não? Calma que ainda tem muita coisa pra falar, mas não hoje. Semana que vem prometo que continuo a pauta.