Ruas musicais, parte 1

Como você já viu aqui quando falamos das Borboletas Psicodélicas, o Banco de Nomes sempre gostou de dar uma passadinha pela música. Mas chique como ele só, quase sempre eram títulos de composições eruditas (de preferência, as mais obscuras):

"Do seu olhar" é uma composição para piano de Yves Schmidt

“Do seu olhar” é uma composição para piano de Yves Schmidt, pianista, pedagogo e advogado. A rua está praticamente dentro do Parque do Carmo (o parque mesmo, não o bairro), na ZL.

No entanto, jamais havia se pensado em usar canções da MPB: essa história só começou nos anos 80, quando uma grande área rural às beiras da estrada do Iguatemi (hoje, Avenida Ragueb Chohfi) começou a ser ocupada. Logo, os barracos foram virando casas e o bairro, chamado de Jardim da Conquista, com mais de 60 mil moradores, passou a ser legalizado pela Prefeitura.

Engana-se quem pensa que o nome tem a ver com música: é uma antologia de poemas portugueses, que passou a rebatizar a antiga rua 15 de Novembro, em Santo Amaro. Isso foi quando a Prefeitura tentou acabar com os nomes repetidos das ruas, em 1978. Falarei disso depois.

Engana-se quem pensa que o nome tem a ver com música: é uma antologia de poemas portugueses, que passou a rebatizar a antiga rua 15 de Novembro, em Santo Amaro. Isso foi quando a Prefeitura tentou acabar com os nomes repetidos das ruas, em 1978. Falarei disso depois.

Eles ganharam até direito de escolher os nomes de ruas, como explica uma matéria do falecido Jornal da Tarde, de 2003, que entrevistou moradores do bairro, como a dona Verônica Salles, então líder comunitária:

Na época, [1992], Verônica e outros líderes comunitários decidiram que as ruas teriam nomes de pássaros, flores, poetas e heróis. A sugestão, porém, não foi aceita pela Prefeitura. Já havia ruas com essas denominações. Daí, teve a idéia: “Por que não colocar nomes de músicas?”.

Dona Verônica contou que, para buscar inspiração, foram a várias lojas de discos (na época o CD não era popular), olhavam o verso das capas e iam anotando os nomes de que gostavam. A comunidade reuniu mais de dois mil nomes de músicas. Pouco mais de 150 foram usados nas travessas do Jardim da Conquista e o resto foi parar (adivinha?!) no Banco de Nomes, espalhando-se por diversas vias da cidade, em especial as de outras regiões periféricas da Zona Leste, como a Cidade Tiradentes.

Vista aérea de parte do Jardim da Conquista. O ECAD já passou por lá?

Vista aérea de parte do Jardim da Conquista. O ECAD já passou por lá?

E se tem uma coisa que não dá para reclamar dos moradores do Jardim é que eles não foram ecléticos. Tem música de:

"É agua no mar, é maré cheia" - Samba-enredo da Portela, cantado por Clara Nunes

“É agua no mar, é maré cheia” – Samba-enredo da Portela, cantado por Clara Nunes, na Cidade Tiradentes.

"Foi num baile em Asunción, capital del Paraguay..."

“Foi num baile em Asunción, capital del Paraguay…” (Chitãozinho e Xororó) – no Jardim da Conquista

de Ivan Lins

de Ivan Lins, também no Jardim da Conquista

"Um pouco de luz nesta vida...", do Roupa Nova - na Vila Jacuí.

“Um pouco de luz nesta vida…”, do Roupa Nova – na Vila Jacuí.

O nosso Rei Roberto Carlos tinha que marcar presença! - na Cidade Tiradentes

O nosso Rei Roberto Carlos tinha que marcar presença! – na Cidade Tiradentes.

Raulzito, na Vila Jacuí. Não tinha nenhum Corcel 73 estacionado.

Raulzito, na Vila Jacuí. Não tinha nenhum Corcel 73 estacionado quando o Street View passou.

E tem muito mais! Alguns nomes merecem até uma “discografia urbana” à parte – da obscura Lycia de Biase Bidart até o nosso já citado Raul Seixas, passando por Sá e Guarabira e Almir Sater. Dá até para descobrir que discos o pessoal do Jardim da Conquista pegou: a trilha da novela Pantanal com certeza foi um… mas isso fica para outro post.

2 pensamentos sobre “Ruas musicais, parte 1

  1. Ruas musicais – parte 2 – As ruas mais estranhas de São Paulo

  2. Que ruas estranhas são essas, afinal? – As ruas mais estranhas de São Paulo

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