Que ruas estranhas são essas, afinal?

Olá! Talvez você tenha chegado aqui a partir da notinha de hoje (22/05) no Divirta-se do Estadão, não é?

Charanga do circo é uma peça musical do maestro Yves Schimidt, que ainda vive. A placa é um pouco diferente porque a Charanga fica exatamente no limite com Osasco.

Charanga do circo é uma peça musical do maestro Yves Schmidt, ainda vivo e que você pode conhecer aqui. A placa é um pouco diferente porque a Charanga fica exatamente no limite com Osasco, e segue o padrão de lá.

E, no mínimo, deve achar que eu inventei coisas absurdas para impressionar o Edison Veiga, que me entrevistou, não é mesmo? Antes fosse… se der uma olhadinha, de leve, nos posts mais antigos, vai dar para ter uma ideia disso.

Do mesmo autor de Borboletas Psicodélicas, mais um grande sucesso

Do mesmo autor de Borboletas Psicodélicas, mais um grande sucesso, que você ouve aqui. É uma travessa da avenida Sapopemba ainda na altura do jardim Anália Franco – ou seja, bem no começo dela.

No último post, que escrevi em 2012 e “reprisei” nesta semana, você já conheceu um pouquinho sobre o nosso eterno Henrique de Curitiba, tão querido pelo Banco de Nomes da Prefeitura.

Que banco de nomes é esse, afinal?

Onde será que vendem chácaras no Itaim Bibi? Tem alguma coisa errada...

Onde será que vendem chácaras no Itaim Bibi? Tem alguma coisa errada… Ouça aqui, enquanto descobre que a rua está nos confins de Parelheiros.

Para você que chegou agora, o Banco de Nomes é uma maravilhosa máquina aleatória de batismo de ruas criada pela Prefeitura paulistana no final da década de 1970. O objetivo do então prefeito Olavo Setúbal era nobre: havia milhares de ruas com nomes manjados e super-repetidos (“Dom Pedro”, “7 de setembro”, “São Paulo”, “A”, “1”, “2”…) e outras, simplesmente, sem nome algum. Ainda que os vereadores adorem dar nomes de pessoas para as ruas, nem o mais criativo daria conta de tantas ruas, não é?

Para resolver esse problema, ficou a cargo do então professor da FAU-USP Benedito Lima de Toledo organizar uma equipe de pesquisadores que vasculhou enciclopédias, dicionários e tudo mais que havia pela frente, para criar o tal Banco de Nomes. Só que a impressão que dá é que… bem… eles simplesmente juntaram nomes, sem nenhum critério. O segredo é esse: as ruas de São Paulo não seguem NENHUM CRITÉRIO de batismo (ainda que a ideia original do arquiteto fosse a de criar “manchas urbanas” com algum tema). Foi bom para mim, que pude criar esse blog quase 40 anos depois. E para a maioria das pessoas, também. Afinal, não tem nada de mais morar na…

ou na…

domingosdantas_pedreiro_MG_secXVIII

Domingos Dantas foi um pedreiro que viveu na Minas Colonial no século XVIII, segundo a prefeitura. A rua fica no Jd. d’Abril, zona oeste.

 

ou ainda na…

franciscomargall_danielcerri

Daniel Cerri: militar argentino, nasceu em 1841 e faleceu em 1914; lutou na Guerra do Paraguai e foi o primeiro governador dos Andes; Francisco Margal :político e escritor catalão, autor de “Recuerdos” e “Belezas de España”.Período 1.813 à 1.824.; As ruas ficam na Brasilândia;

ou…

gustavopaiva_estacaoferroviaria_AL

O Gustavo Paiva da rua não é uma pessoa, mas sim uma estação de trem, em Alagoas! A rua está no Campo Limpo (ZO).

ou ainda, simplesmente, pessoas que morreram de alguma forma.

vladimirsinkus_morreuafogado

Vladimir Sinkus trabalhava na Miller Conway & Cia Ltda (comissária de despachos) como auxiliar de escritório, brasileiro natural de São Paulo, com 17 anos de idade, estudante. Morreu por afogamento como laudo do I. M. L. , em Guarulhos no dia 24 de outubro de 1982. A rua fica em São Miguel, ZL.

A Prefeitura é tão doida que homenageou pessoas historicamente ligadas a um certo lugar da cidade… em outro, bem longe. É o caso dele:

pedrovitormassote_lidercomunitariovilamaria_masruanoparquedosprincipes

Pedro Vitor Massote era um líder comunitário da Vila Maria, na zona norte, e foi parar no Parque dos Príncipes, quase em Osasco.

São, afinal, nomes de pessoas e lugares quaisquer, ainda que pela descrição você possa notar que têm algo em comum. Afinal, que importância para a memória paulistana tem um político argentino (!) de 200 anos atrás, um pedreiro da época da Xica da Silva, do qual só se sabe o nome ou algo que nem nome de pessoa é, embora dê a entender que seja? Você deve ter a mesma opinião que eu: nenhuma. 

Não saberia de nada disso sem a ajuda do Dicionário de Ruas da Prefeitura, que digitalizou as fichinhas do Banco de Nomes e “entregou” a fonte. Nesses casos como os acima, são, simplesmente, listagens aleatórias de nomes que eles foram jogando a esmo sobre os mapas. Seria como se, daqui a alguns séculos, alguém pegasse uma lista de aprovados no vestibular, por exemplo, e desse como resolvido o batismo das vias de algum novo loteamento.

Só que eles não fazem os moradores passar vergonha ao dar o endereço…

Isso já não acontece quando você foi “sorteado” para viver nas ruas em que a Prefeitura resolveu usar alguma das outras categorias do Banco de Nomes, que fazem nossa alegria. Eles não deixaram quase nada de fora, já que usaram todos os critérios possíveis:

– dicionário de línguas indígenas: Falei isso na matéria, e foi um dos poucos lugares onde a ideia de “manchas urbanas temáticas” vingou: a esmagadora maioria está na Penha, abordando a anatomia tupi:

opia_figadopiquinhu_joelho  puquixa_unha sarambé_esquecido

Não seja sarambé (esquecido): opiá é fígado; piquinhú, joelhoe puquixá, unha !

– músicas e instrumentos: a preferência inicial foram as obras eruditas, para dar aquele toque de classe à malha viária. A preferência, claro, foi para as obras mais obscuras. Alguns compositores – que você provavelmente não conhece – são campeões: o seu já conhecido Henrique de Curitiba, Yves Schimidt (da Serenata à Brasileira que citei acima) e a capixaba Lycia Bidart, com mais de 20 vias – falei dela aqui. Alguns nomes, vamos combinar, são bonitos:

É uma peça para piano do padre paranaense José Penalva, composta em 1955. Se você estiver à toa e puxar a lista de músicas dele aqui, vai achar pelo menos 10 delas no mapa. Esta rua está no Sítio Conceição, um conjunto habitacional de Guaianazes (ZL)

É uma peça para piano do padre paranaense José Penalva, composta em 1955. Se você estiver à toa e puxar a lista de músicas dele aqui, vai achar pelo menos 10 delas no mapa. Esta rua está no Sítio Conceição, um conjunto habitacional de Guaianazes (ZL)

mas outros, nem tanto…

Não são três lotes vazios que ficam nessa rua de terra no Jardim Oriental, em Parelheiros, mas "três espaços para viola e piano", do maestro Claudio Santoro, composta em 1966: espaços delimitados, espaços interpostos e espaços infinitos. Os Infinitos têm até sua rua própria, no outro extremo da cidade, lá no Itaim Paulista (por onde o street view não passou)

Não são três lotes vazios que ficam nessa rua de terra no Jardim Oriental, em Parelheiros, mas “três espaços para viola e piano”, do maestro Claudio Santoro, composta em 1966: espaços delimitados, espaços interpostos e espaços infinitos. Os Infinitos têm até sua rua própria, no outro extremo da cidade, lá no Itaim Paulista (por onde o street view não passou

e de quem será que foi a ideia de usar os instrumentos, hein?

dagaitadefoles

No M’Boi Mirim, mais precisamente no Jardim Santa Zélia.

dopirofone

No mesmo bairro, a rua do Pirofone, um tipo de órgão tocado com FOGO! Todas as ruas do Jardim Santa Zélia têm esses nomes estranhos e musicais

Calma que a gente ainda nem começou direito. Mais para o final dos anos 1980, graças aos moradores de um único bairro, o Jardim da Conquista, na ZL,  já abordado no blog. A Prefeitura deu a eles o direito de escolher o nome de suas ruas – e, simplesmente, eles passaram na loja de discos mais próxima. E o que sobrou das sugestões, a Prefeitura foi espalhando pelos outros bairros. Tem sertanejo…

evidencias_chitaozinho

Quando eu digo que deixei de te amar / É porque eu te amo / Quando eu digo que não quero mais você / É porque eu te quero… o clássico de Chitãozinho e Xororó fica no Jardim da Conquista.

 

Raul Seixas, então, é o rei das ruas paulistanas. Essas duas são apenas parte de uma longa série:

xxxx

Essa rua tem o início, o fim e o meio… 

xxxxxxx

Tanto a Gita quanto a Novo Aeon ficam no conjunto Águia de Haia, perto da avenida de mesmo nome em Itaquera.

E ainda sobra para Rita Lee:

"O ano inteiro eu passei sem dinheiro, eu sei, e foi um corre-corre danado..." é do disco Mania de Você, de 1979. Fica também em Itaquera.

“O ano inteiro eu passei sem dinheiro, eu sei, e foi um corre-corre danado…” é do disco Mania de Você, de 1979. Fica também em Itaquera.

Ou ainda Chico Buarque:

 

… sem falar nos artistas mais regionais, como Elomar e Xangai:

literatura também marca presença. Dos clássicos:

O Homem de La Mancha fica no Jardim São Jorge, no Butantã.

O Homem de La Mancha fica no Jardim São Jorge, no Butantã.

… até outros nomes de livros e poemas que precisam de alguma explicação:

entrevista_poema_drummond

Na Vila Alabama (!), um bairro do Itaim Paulista (ZL). É um poema de Carlos Drummond de Andrade, acreditem

dosonetodafidelidade_viniciuss

No Capão Redondo, de tudo ao meu amor serei atento, e sempre, e tanto, imortal posto que é chama mas que seja infinito enquanto dure

 

Esses são bonitinhos. Mas imagina o que é morar aqui:

sextilhasdefreiantao

É um poema do Gonçalves Dias (o mesmo da Canção do Exílio). Fica na Vila Gustavo (ZN)

ou ainda:

dobucolismo

Um “clássico” do Brás. Tem quem diga que foi uma homenagem ao “bucolismo” do bairro, mas não é. A rua tinha outro nome, e ganhou o do estilo literário porque o antigo era repetido.

navioperdido_augustofrederico

É um livro de poemas, de Augusto Frederico Schmidt. Se quiser, pode comprar uma edicão autografada aqui. A ruinha está lá no meio da Cidade Ademar.

cinema e as outras artes também marcam presença. Seja homenageando artistas obscuros (a maioria do tempo do cinema mudo):

Erik Satie (Honfleur, 17 de Maio de 1866 — Paris, 1 de Julho de 1925) foi um compositor e pianista francês.1 Relevante no cenário de vanguarda parisiense do começo do século XX, foi o precursor de movimentos artísticos como minimalismo, música repetitiva e teatro do absurdo.

Erik Satie (Honfleur, 17 de Maio de 1866 — Paris, 1 de Julho de 1925) foi um compositor e pianista francês.1 Relevante no cenário de vanguarda parisiense do começo do século XX, foi o precursor de movimentos artísticos como minimalismo, música repetitiva e teatro do absurdo. A rua está no Capão Redondo.

ou filmes:

Não é uma rua que é muito rigorosa, muito severa… é o primeiro filme falado de Portugal! Você sabia ?!?!?!?

Não é uma rua que é muito rigorosa, muito severa… é o primeiro filme falado de Portugal! Você sabia ?!?!?!?

Saindo das “artes”, a bizarrice só piora. Por exemplo, elementos químicos:

docobre

Na Cidade Tiradentes. Só não dá para abreviar o nome da rua…

francio

Em São Rafael, na ZL também.

 

… e os reinos! Do mineral…

quartzo

No Tremembé, perto da av. Parada Pinto

ao vegetal…

alpiste

Na Cidade Líder, ZL

e o animal…

ROLACABOCLA

Não é o nome de nenhum filme pornô, não… é só uma das aves mais comuns do mundo. Fica no Iguatemi, ZL.

São apenas ALGUMAS das categorias. O resto você pode ir vendo no arquivo, enquanto apronto mais coisas. Bem-vindos!